por Marian L. Tupy*
Falando ao jornal Los Angeles Times em agosto passado, a co-fundadora do movimento Black Lives Matter [Vidas Negras são Importantes], Patrisse Cullors, afirmou que o BLM não se sentaria à mesa com o presidente Trump porque ele “é literalmente a epítome do mal, todos os males deste país – seja racismo, capitalismo, sexismo, homofobia”.
À parte as opiniões e ações de Trump, chamar o capitalismo de maligno e juntá-lo ao racismo é digno de nota. O mesmo vale para a tendência crescente entre ativistas da justiça social de abraçar a agenda econômica da esquerda.
Tanto que Ryan Cooper, colunista da revista The Week, que co-fundou o BLM do Reino Unido, exortou seus seguidores a “Combater o racismo com a solidariedade. Combater o capitalismo com o socialismo. Devemos nos organizar – nos dedicar ao poder político revolucionário”.
O Black Lives Matter Movement, uma organização britânica distinta, foi fundado por Gary McFarlane, representante do Partido dos Trabalhadores Socialistas, que escreve para a Socialist Review e para a Socialist Worker, e alega que “O capitalismo é racista dos pés à cabeça”. Seus co-fundadores, incluindo Kate Hurford, Harold Wilson e Naima Omar, também escreveram para essas duas publicações.
Há, em outras palavras, um crescente pressuposto entre ativistas da justiça racial de que mais socialismo resultaria em menos racismo e, até, que o socialismo é, em si mesmo, antirracista. Mas não há, na verdade, nenhuma conexão necessária entre o socialismo e o antirracismo, como um exame mais minucioso de textos socialistas antigos revela com folga.
Para começo de conversa, é importante notar que o significado da palavra “raça” mudou com o tempo. Hoje, a maioria das pessoas pensam em raças em termos de cor, como em “negro” e “branco”. Historicamente, no entanto, raça era também um sinônimo para nação ou, até, família. Em seu livro de 1933, Marlborough: Sua Vida e Seu Tempo, Winston Churchill observou: “Profundo no coração do estado e da raça prussiana estava o antagonismo pela França”. A artista inglesa Mary Granville, por sua vez, se referia à família de Churchill como a “raça Marlborough” em seu livro de 1861, Autobiografia e Correspondência.
Mas a raça, se entendida de forma estrita (negro e branco) ou ampla (cor da pele, nação e família), sempre foi parte do pensamento socialista. Em 1894, por exemplo, Friedrich Engels escreveu uma carta ao economista alemão Walther Borgius. Nela, Engels observou: “Consideramos condições econômicas como aquilo que determina em última análise o desenvolvimento histórico, mas a raça é em si um fator econômico”.
Em suas Notas a Anti-Düring, Engels elaborou sobre o assunto da raça, observando “que a herança de características adquiridas se estendia … do indivíduo à espécie”. Ele continuou, “Se, por exemplo, entre nós os axiomas matemáticos parecem autoevidentes para qualquer criança de oito anos, sem necessidade de provas, que são resultado unicamente da ‘herança acumulada’. Seria difícil ensiná-las a um bosquímano ou a um negro australiano”.
É notável que Engels escreveu essas palavras 16 anos antes que Francis Galton, escrevendo à Macmillan’s Magazine, instou a humanidade a tomar controle de sua própria evolução por meio de “bons cruzamentos” ou eugenia. Por falar nisso, Sidney e Beatrice Webb, que eram socialistas e eugenistas, lamentaram a queda da taxa de natalidade entre as assim chamadas raças superiores na New Statesmen, em 1913. Eles alertaram que “uma nova ordem social [seria] desenvolvida por uma ou outra das raças de cor, o negro, o cafre ou o chinês”.
Che Guevara, o revolucionário argentino e amigo do ditador cubano Fidel Castro, deu sua opinião sobre raças em seu livro de memórias Diários de Motocicleta, de 1952, escrevendo que “O negro é indolente e preguiçoso e gasta o seu dinheiro em frivolidades, enquanto o europeu é prudente, organizado e inteligente”.
Além de racistas, textos socialistas antigos chamavam explicitamente pelo genocídio de povos retrógrados. A mistura tóxica dessas duas ideias antiliberais resultaria em ao menos 80 milhões de mortes ao longo do século XX.
No jornal New York Tribune, em 1853, Karl Marx chegou perto de defender o genocídio, escrevendo que “As classes e as raças fracas demais para dominar as novas condições de vida devem ceder seu lugar”. Seu amigo e colaborador, Engels, foi mais explícito.
Em 1849, Engels publicou um artigo no jornal de Marx, Neue Rheinische Zeitung. Nele, Engels condenou as populações rurais do Império Austríaco por entusiasticamente falharem em participar da revolução de 1848. Esse foi um momento seminal, cuja importância não se pode exagerar.
“Do artigo de Engels em 1849 até a morte de Hitler”, escreveu George Watson em seu livro de 1998, A Literatura Perdida do Socialismo, “todos que defendiam o genocídio chamavam a si mesmos de socialistas”.
Então, o que Engels escreveu?
“Dentre todas as grandes e pequenas nações da Áustria, somente três típicas portadoras do progresso tiveram um papel ativo na história, e ainda retêm sua vitalidade – os alemães, os polacos e os magiares. Daí, eles são agora revolucionários. Todas as outras nacionalidades e povos grandes e pequenos estão destinados a perecer em breve na tempestade revolucionária mundial. Por essa razão são agora contrarrevolucionários.”
“Os alemães e magiares da Áustria serão libertados e vingar-se-ão sangrentamente dos bárbaros eslavos”, continuou ele. “A próxima guerra mundial resultará no desaparecimento da face da Terra não apenas das classes e dinastias reacionárias, mas também de povos reacionários inteiros. E isso, também, é um passo à frente.”
Aqui Engels previu claramente os genocídios do totalitarismo do século XX em geral e do regime soviético em particular. De fato, Josef Stálin amava o artigo de Engels e comentava sobre ele para seus seguidores em As Fundações do Leninismo, de 1924. Ele então avançou à supressão das minorias étnicas soviéticas, incluindo judeus, tártaros da Crimeia e ucranianos.
Adolf Hitler, que admirava Stálin por sua crueldade e o chamava de “gênio”, foi também muito influenciado por Marx. “Aprendi muito com o marxismo”, disse Hitler, “como não hesito em admitir”. Durante a juventude, Hitler “nunca evitava a companhia de marxistas” e acreditava que enquanto o “social-democrata pequeno-burguês … jamais fará um Nacional Socialista … o comunista sempre fará”.
As “diferenças com os comunistas” de Hitler, argumentou Watson, “eram menos ideológicas que táticas”. Hitler adotou o nacionalismo alemão de modo a “não competir com o marxismo em seu próprio campo”, mas reconheceu explicitamente que “‘a totalidade do nacional socialismo’ era baseada em Marx”. Portanto, não é de se surpreender que a Alemanha Nazista, com seus campos de concentração e polícia secreta onipresente, veio a lembrar tanto a União Soviética.
Quanto os nazistas aprenderam com os soviéticos?
Em suas memórias publicadas em 1947, Comandante de Auschwitz: A Autobiografia de Rudolf Hoess, Hoess lembrou que os alemães sabiam do programa de extermínio soviético de inimigos do Estado através de trabalhos forçados desde 1939. “Se, por exemplo, ao construir um canal os internos de um campo [soviético] fossem exauridos, milhares de kulaks [fazendeiros atacados por Lênin e Stálin como ‘burgueses’] ou outros elementos não confiáveis novos eram convocados, que, por sua vez, seriam consumidos”. Os nazistas usariam a mesma tática com os trabalhadores escravos judeus, por exemplo em fábricas de munição.
Após a sua invasão da União Soviética em 1941, escreveu Watson, os alemães coletaram informações sobre a imensa escala do sistema de campos soviéticos e ficaram impressionados com “o preparo soviético para destruir categorias inteiras de pessoas através de trabalhos forçados”.
Depois que a guerra terminou, Stálin estava profundamente preocupado com o que os alemães sabiam a respeito do sistema de campos soviéticos e dos crimes que os soviéticos cometeram nos territórios que conquistaram após a assinatura do Pacto de Molotov-Ribbentrop. Ele mandou Andrey Vyshinsky, o arquiteto do Grande Expurgo de Stálin (1936-1938), a Nuremberg para desviar a atenção do tribunal de crimes de guerra de linhas investigativas inconvenientes.
Hoje sabemos do número agregado de pessoas que morreram como resultado do experimento socialista, mas o terror comunista continua a ser coberto por uma névoa ontológica. Dessa forma, o extermínio dos judeus pelos nazistas é geralmente condenado como um exemplo de ódio racial. Em contraste, o extermínio soviético de grupos específicos de pessoas é geralmente visto como uma parte muito menos tóxica da “luta de classes”.
A teoria marxista da história focou-se na luta de classes e supôs que o feudalismo estava destinado a ser substituído pelo capitalismo. O capitalismo, por sua vez, estava destinado a dar caminho ao comunismo. Marx considerava a si mesmo principalmente com um cientista e pensava que tinha descoberto uma lei imutável da evolução das instituições humanas, do barbarismo em um extremo ao comunismo no outro. (Daí a ideia do “socialismo científico” que Engels promoveu depois da morte de Marx.)
Povos que haviam parado no feudalismo, como os eslavos, “e também bascos, bretões e escoceses das terras altas” não poderiam progredir direto do feudalismo para o comunismo. Eles teriam de ser exterminados – de modo a não atrasar todos os outros! Watson observou, “Eles eram lixo racial, como Engels os chamou, e só serviam para o monte de estrume da história”.
Como, então, devemos pensar em socialismo e raça? E a resposta a essa pergunta incidiria sobre a distinção que foi feita entre as atrocidades nazistas e as comunistas?
Em seu livro de 1902, Antecipações da Reação ao Progresso Mecânico e Científico sobre a Vida e o Pensamento Humanos, H. G. Wells escreveu, “Há uma disposição no mundo, de que os franceses partilham, de subestimar grosseiramente a perspectivas de todas as coisas francesas, derivada, até onde sei, dos fatos de que os franceses foram derrotados pelos alemães em 1870, e de que eles não copulam com as fezes de coelhos ou negros”.
“Devo confessar”, continuou ele, que “não vejo o negro e o irlandês pobre e todas as varreduras emigrantes da Europa, que constituem o grosso do Abismo Americano, se unindo para formar aquele grande partido socialista”.
Note a facilidade com que o escritor socialista de best-sellers como A Máquina do Tempo (1895), A Ilha do Dr. Moreau (1896), O Homem Invisível (1897) e Guerra dos Mundos (1898) mistura brancos atrasados a negros atrasados.
Para Wells, ambos eram primitivos e, consequentemente, inaptos para serem os portadores da chama do socialismo. Isso está em perfeita conformidade com a teoria da história de Marx, que era, por definição, universal em sua aplicabilidade. A criação da utopia socialista, portanto, dependia do extermínio de todas as raças, entendidas amplamente, que fossem um empecilho à revolução socialista. Como tais, incluíam “bosquímanos” negros e bretões brancos.
Contrariamente a Marx, a utopia de Hitler não era universal. Hitler, líder do Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães (Nationalsozialistische Deutsche Arbeiterpartei), queria criar o socialismo apenas em um país, a Alemanha. O ódio de Hitler por judeus, por exemplo, tinha parcial raiz em sua crença de que o capitalismo e a judiaria mundial eram dois lados da mesma moeda. Como ele notoriamente perguntou uma vez, “De que forma, como um socialista, você consegue não ser um antissemita?”
Para atingir os seus objetivos socialistas, escreveu Götz Aly em seu livro de 2008, Os Beneficiários de Hitler: Pilhagem, Guerra Racial e o Estado de Bem-Estar Social Nazista, os alemães confiscaram ouro, comida, roupas e máquinas ao longo dos territórios que conquistaram. Também obrigavam os povos subjugados a trabalhar em campos de trabalhos forçados e extermínio, além de fábricas.
Concluindo, a velha distinção entre os crimes do Nacional Socialismo (como puramente racista) e o socialismo propriamente dito (como livre de um componente racial) parece insustentável. Ambos os perpetradores das atrocidades nazistas (isto é, os alemães) e as suas vítimas, incluindo os judeus e os eslavos, eram brancos. Dessa forma, as atrocidades nazistas não fazem muito sentido na definição estrita de racismo (isto é, negro versus branco). Fazem sentido de fato no contexto maior – a necessidade percebida de exterminar todos os povos que fossem obstáculos à consecução do ideal utópico de Hitler.
Mas o mesmo pode ser dito sobre as atrocidades comunistas. Os primeiros socialistas certamente brincaram com a ideia da inferioridade racial das raças mais negras (isto é, definição estrita do racismo), mas no fim adotaram um programa de genocídio que era mais abrangente. O melhor que pode ser dito dos socialistas, portanto, é que suas vítimas foram, de acordo com as aspirações universais do marxismo, mais diversas que as de Hitler. Esperamos que esse não seja o tipo de inclusividade que o Black Lives Matter em ambos os lados do Atlântico busca.
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* Marian L. Tupy é analista sênior de política no Centro pela Liberdade e Prosperidade Global no Instituto Cato. Publicação original: CAPX, 10 de novembro de 2017.