A famosa declaração "Só sei que nada sei", atribuída a Sócrates por Platão, revela um princípio atemporal: o verdadeiro conhecimento começa com o reconhecimento da própria ignorância. Contudo, em um mundo dominado por redes sociais e acesso instantâneo à informação, esse paradoxo foi invertido.
Em 1999, os psicólogos David Dunning e Justin Kruger publicaram um estudo revolucionário na Cornell University: “pessoas com baixa capacidade em determinadas áreas frequentemente superestimam suas habilidades, enquanto os verdadeiros especialistas subestimam as próprias”. Ou seja:
- Incompetência gera confiança ilusória: Pessoas com baixa habilidade em uma área não apenas falham em reconhecer sua falta de competência, mas superestimam grotescamente suas capacidades
- Competência gera humildade: Verdadeiros especialistas tendem a subestimar seu conhecimento, assumindo que tarefas simples para eles também o são para outros.
Esse fenômeno, batizado de Efeito Dunning-Kruger, explica por que indivíduos medianos — ou mesmo incompetentes — dominam debates públicos, tomam decisões catastróficas e ainda se sentem geniais (rsrsrs).
Quando esse viés cognitivo se espalha por uma nação inteira o resultado é o colapso intelectual, político e econômico. Exemplos:
- 88% dos motoristas se consideram "melhores que a média" (impossível estatisticamente).
- 70% das pessoas com notas baixas em testes de lógica se avaliam como "acima da média".
Isso resulta em pessoas que são menos do que pensam, mas agem como se se fossem algo importante ou confiante!
E os resultados daqueles que acham que sabem alguma coisa evolui para políticas públicas resultando em escolhas erradas e desastrosas para toda uma nação, pois eleitores mal-informados elegem líderes que não entendem de economia, diplomacia, ciência, mas se acham gênios e escolhem auxiliares do mesmo nível, amplificando os erros.
A crise hiperinflacionária na Argentina (2023) foi um casio real, onde políticas econômicas irracionais foram defendidas por milhões de "Krugers". Líderes populistas exploram esse viés com discursos simplistas que soam "óbvios" para leigos, alimentando egos com promessas impossíveis — mesmo quando a matemática básica as contradiz..
Com a ascensão das tecnologias, o Brasil tornou-se um berço “experimental” desse efeito manada que destrói nações, pois as redes sociais se tornaram o celeiro perfeito para o Efeito Dunning-Kruger em massa onde plataformas como Twitter (X), Facebook, YouTube, Instagram, TikTok etc, recompensam convicção cega, não conhecimento real. O resultado é uma legião de "especialistas" autoproclamados que nunca leram um livro acadêmico, mas se acham donos da verdade em temas complexos como Medicina, Economia, Política, Ciência ("químicos e físicos de WhatsApp")...
Como as redes sociais priorizam engajamento e não precisão o “algoritmo da ignorância confiante” alimenta opiniões extremas e simplistas que viralizam mais que análises ponderadas, muitas vezes devido a sua complexidade textual que exige um raciocínio lógico. Dessa forma o algoritmo recomenda conteúdo que confirma vieses, criando bolhas onde o usuário nunca é desafiado e se sente um cientista no assunto que mal arranhou a superfície. Mas diante de ignorantes, um imbecil mais esperto vira “intelectual”.
E no Brasil esse efeito é extremamente poderoso devido a diversos fatores como causas estruturais onde escolas não ensinam pensamento crítico, apenas memorização (73% dos brasileiros não interpretam textos complexos (INAF, 2022)), mídia sensacionalista trazendo notícias simplificadas que reforçam ilusões de conhecimento e conteúdo pobres em conhecimento que são mais explorados nas redes levando qualquer um a se sentir "especialista" em 5 minutos de YouTube, Instagram etc, mesmo 62% das pessoas que compartilham fake news jamais terem lido o conteúdo completo, se limitando apenas aos títulos conforme mostrou um estudo da Nature em 2022.
"Nunca na história tivemos tanto acesso à informação — e nunca fomos tão ignorantes do que não sabemos" - Neil deGrasse Tyson
Hoje em dia, pessoas leem 2, 3 posts e acham que dominam um tema, assistem 15 minutos de vídeo e se sentem especialistas, mas não são capazes de distinguir fontes confiáveis (Nature, The Lancet) de lixo pseudocientíficos (blogs conspiracionistas).
Então o resultado é que quem fala com mais certeza (não quem tem mais conhecimento) ganha atenção e debates públicos são dominados por charlatões, enquanto especialistas são cancelados por "complicar demais". Um exemplo clássico foi que durante a pandemia, médicos e cientistas reais, com anos de experiência prática, eram atacados por "haters" que aprendiam medicina no YouTube, tonando-se Googles PhDs da cultura do atalho.
Assim formamos uma sociedade de "Sabichões" incompetentes, gerando uma polarização extrema com pessoas discutindo com ódio sobre temas que não entendem “bulhufas”. Dessa forma, ninguém muda de ideia, porque todos acham que estão certos baseados em seus doutorados de redes sociais.
E acabamos com cientistas ignorados, enquanto influencers são aclamados com seus palpites errados e danosos, profissionais que estudaram anos para ter sua autoridade roubada por um viral de TikTok com cérebro de minhoca.
Sendo assim, a “ilusão do especialista” Kruger vem alimentando um efeito manada desastroso que pode levar o Brasil a um caos social nunca imaginado se as redes sociais continuarem premiando a arrogância da ignorância. Mas a solução começa quando cada um de nós parar de compartilhar certezas vazias e voltamos a valorizar quem realmente estuda.
O Brasil ficou em 63º lugar em matemática (entre 81 países) e o motivo ficou claro quando 59% dos alunos avaliaram seu próprio desempenho como "acima da média" em 2022. Da mesma forma que 54% dos formandos em Direito 2021, não sabiam explicar o que é habeas corpus. Ou quando 81% dos brasileiros que investiram em cripto em 2021 não entendiam blockchain. Lembrando que 41% dos brasileiros acreditavam que "economia é senso comum" e não exigia formação técnica. E o efeito prático de tanta ignorância é o gasto anual com "terapias alternativas" sem comprovação executado pelo SUS, por exemplo, que chegou a R$ 1,2 bilhão.
Sendo assim, o custo da ignorância confiante dos Krugers dói no bolso, não apenas nos ouvidos de quem realmente sabe do que está falando, e não tende a diminuir pois 72% dos prefeitos eleitos em 2020 não tinham ensino superior completo (TSE, 2021) e não tende a melhorar já que eleitores que menos sabiam sobre políticas públicas em 2019 eram os mais confiantes em suas escolhas (83% de certeza vs. 47% entre bem-informados).
Então não seja um Kruger, se informe em sites confiáveis. Sei que não é fácil ler textos longos como esse, mas é o resultado de horas e talvez dias de pesquisa para apresentar informações baseadas em dados reais que podem ser confirmados nas fontes de referência. Mas vale a pena pesquisar as fontes para ampliar o conhecimento.
O Efeito Dunning-Kruger não é só um fenômeno psicológico — é uma bomba-relógio social. Países que não o combatem viram terrenos férteis para populistas, charlatões e crises evitáveis.
"O problema do mundo é que os estúpidos são tão confiantes, e os inteligentes tão cheios de dúvidas." — Bertrand Russell
Mas tem saída: Reconhecer a própria ignorância — o primeiro passo, segundo Sócrates, para a verdadeira sabedoria.
by Wagner Miranda
- Decisões políticas equivocadas R$ 150 bi (3% do PIB) - IPEA, 2023
- Tratamentos médicos ineficazes R$ 28 bi - CNS, 2022
- 81% não sabem o que é Blockchain - XP Inc., 2022
- 54% não sabem o que é habeas corpus - OAB, 2021
- Terapias alternativas no SUS - TCU, 2023
- Estudo da Princeton University (2019) sobre eleitores bem informados
- 72% de prefeitos serm ensino superior completo - TSE, 2021
- Dunning, D. (2011). "The Dunning-Kruger Effect: On Being Ignorant of One’s Own Ignorance"
- Achen, C. H. & Bartels, L. M. (2016). "Democracy for Realists"
- Kahneman, D. (2011). "Thinking, Fast and Slow"
- Pennycook, G. et al. (2020). "Who Is Susceptible to Fake News?
- Pesquisa do FGV/DAPP (2022) - 68% dos eleitores admitiram votar por votar
- Estudo da Nature (2022) - 62% das pessoas que compartilham fake news só leram o título
- Motta, M. et al. (2021). "The Dunning-Kruger Effect and COVID-19 Misinformation"
- Dunning & Kruger, Journal of Personality and Social Psychology, 1999 - DOI
- Nichols, T. (2017). "The Death of Expertise" - Oxford University Press
- Efeito Dunning-Kruger - Warren
- Pennycook, G. et al. (2021). "Shifting Attention to Accuracy Can Reduce Misinformation - DOI
- Vosoughi, S. et al. (2018). "The Spread of True and False News Online - DOI
- Estudo Original de Dunning & Kruger (1999) - DOI
- Fake News e Dunning-Kruger - DOI
- Impacto do Dunning-Kruger na Política - DOI
- Casa dos Memes
- Correção: DeepSeek