Nos últimos anos, o Brasil tem passado por uma transformação significativa em seu cenário religioso. Dados recentes do Censo 2022, divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no dia 6 de junho de 2025, mostram que a população que se declara "sem religião" cresceu e agora representa 9,3% dos brasileiros, consolidando-se como o terceiro maior grupo "religioso" do país, atrás apenas dos católicos (56,7%) e evangélicos (26,9%). Essa mudança reflete uma tendência de desinstitucionalização da fé e uma busca por espiritualidade fora das estruturas religiosas tradicionais, especialmente entre jovens urbanos e escolarizados.
De acordo com o Censo 2022, a população sem religião passou de 12,8 milhões em 2010 (7,9%) para 16,4 milhões em 2022 (9,3%), um aumento de 28% em 12 anos. Esse crescimento é ainda mais expressivo entre jovens de 20 a 24 anos, onde o grupo atinge 14,3% da população. A faixa etária de 30 a 39 anos também se destaca, com 21% declarando não seguir nenhuma religião. Homens (56,2%) e pardos (45,1%) predominam nesse grupo, que tem maior concentração no Sudeste (10,5%) e em áreas urbanas. Já entre idosos com 80 anos ou mais, apenas 4,1% se declaram sem religião. "O catolicismo tem maior adesão entre os mais velhos, enquanto o grupo sem religião é mais expressivo entre os jovens", explica Maria Goreth Santos, analista do IBGE.O município de Chuí, no Rio Grande do Sul, é um caso único: 37,8% de sua população se declara sem religião, a maior proporção do país. A cidade, que faz fronteira com o Uruguai - um dos países mais seculares da América Latina -, já liderava esse índice em 2010. Outros municípios, como Pedro Osório (RS) e Atalaia do Norte (AM), também têm o grupo sem religião como majoritário. Entre os estados, Roraima e Rio de Janeiro se destacam, ambos com 16,9%. Já Piauí (4,3%) e Ceará (5,3%) registram os números mais baixos. Entre as capitais, Salvador se destaca, com 18% da população sem filiação religiosa.
Contrariando estereótipos, a categoria "sem religião" não é composta majoritariamente por ateus ou agnósticos. No Censo 2010, apenas 4% dos sem religião se declaravam ateus e 0,8% agnósticos. A maioria é formada por pessoas que mantêm crenças espirituais, mas rejeitam instituições religiosas como igrejas, templos ou terreiros. Como explica Silvia Fernandes, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), "ser sem religião significa estar afastado das instituições, mas muitos ainda têm práticas pessoais informadas por crenças religiosas ou uma visão pluralista da espiritualidade".
O antropólogo Rodrigo Toniol, da UFRJ, aponta que os sem religião são "impulsionados por jovens urbanos e escolarizados", que questionam dogmas e buscam uma relação mais autônoma com o sagrado. Essa tendência é reforçada por dados do Datafolha de 2022, que indicaram que 34% dos jovens cariocas e 30% dos paulistas entre 16 e 24 anos se declaram sem religião.
O crescimento dos sem religião ocorre em paralelo ao declínio do catolicismo, que caiu de 65,1% em 2010 para 56,7% em 2022, e à desaceleração do avanço evangélico, que cresceu de 21,6% para 26,9%, mas com menos ímpeto do que nas décadas anteriores. Outras religiões, como umbanda e candomblé (1%) e espiritismo (1,8%), também ganharam espaço, mas em menor proporção.
Especialistas atribuem o aumento dos sem religião a fatores como:
- Desinstitucionalização: Jovens rejeitam hierarquias religiosas e preferem espiritualidades personalizadas.
- Urbanização e educação: Cidades grandes e maior acesso à educação incentivam o questionamento de dogmas.
- Pluralismo cultural: A exposição a diferentes crenças leva a uma visão mais eclética da espiritualidade.
- Influência global: A secularização em países como o Uruguai e o Chile, onde 16% da população é sem religião, reflete uma tendência latino-americana.
A ascensão dos sem religião está redefinindo o papel das instituições religiosas no Brasil. Na política, candidatos precisam se adaptar a um eleitorado mais plural e menos vinculado a credos específicos, o que pode reduzir a influência de bancadas religiosas no Congresso. No cotidiano, o aumento da diversidade religiosa desafia políticas públicas baseadas em valores morais tradicionais.
Além disso, o grupo sem religião não é homogêneo. Muitos são "experimentadores", como descrito pela socióloga Danièle Hervieu-Léger, frequentando atividades religiosas sem se filiar a uma instituição. Essa fluidez reflete um Brasil em transição, onde a fé se fragmenta e se reinventa, como destaca o Blog do Esmael: "O Brasil não é mais o país de um altar só".
Sendo assim, projeções indicam que a pluralidade religiosa continuará crescendo. Até 2032, católicos e evangélicos podem representar cerca de 40% cada, com os sem religião e outras crenças somando mais de 20% da população. Essa transformação silenciosa, como descrita por especialistas, mostra um Brasil que rediscute sua identidade espiritual.
Vale lembrar que os dados do Censo 2022 confirmam que os sem religião não são apenas uma estatística, mas um reflexo de uma sociedade em busca de novos significados para a fé. Seja por rejeição às instituições, busca por autonomia ou influência de um mundo mais conectado, esse grupo está moldando o futuro religioso do país.
by Wagner Miranda
Fontes e Referências: